20 outubro 2006

QUEM TEM OUVIDOS PARA OUVIR, OUÇA!

É assim que Jesus Cristo conclui cada uma de suas sete cartas às igrejas da Ásia Menor, no livro do apocalipse: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.

Quem não quer ouvir o que o Espírito Santo tem a dizer? Quando Jesus fala sobre o vento do Espírito que sopra onde quer e quando quer, ele afirma a possibilidade de ser guiado por esse Espírito. Perfeito! Uma vida alinhada com aquilo que Deus quer.

Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz. Ele fala; interage; sustenta o mundo no poder da sua Palavra falada (Hb. 1:3). Mas se esse presente do indicativo existe, e o Espírito de fato, fala; instantes depois, então, o que foi presente encontra seu lugar no pretérito perfeito e passa do “que se fala” para “o que foi dito”. Assim, a convicção de que Deus hoje nos fala, implica na certeza de que, a nós mesmos, também já falou.

Entendido isso, faço uso de um fenômeno interessante em nossa sociedade, eu o chamo de “amnésia seletivo-voluntária da coletividade”. Uso o exemplo da nossa política para explicar. Tomemos o dinheiro e a compra do tal dossiê. Por fazer parte do tempo que se chama hoje, o assunto está bem presente na vida e no cotidiano. A essa notícia dirigimos nossa indignação, protesto e ações de repulsa. Entretanto, quem ainda protesta e repudia a compra das ambulâncias superfaturadas? Voluntária e coletivamente nos esquecemos para dar lugar às palavras do hoje. Quando este último assunto era o epicentro dos vendavais de escândalos, a coletividade já havia esquecido – voluntariamente, ou não – das denúncias do caseiro atrevido, da abrangência descarada do mensalão, dos dólares na cueca e assim por diante. Quem ainda lembra do assassinato misterioso do prefeito? Cada escândalo do presente é sobreposto de forma substitutiva aos demais que, agora, descansam no pretérito.

Acredito que isso também acontece em nossa busca por ouvir e sentir a brisa misteriosa do Espírito. Focamos as atenções no que está sendo dito (e isso é ótimo), ao mesmo tempo em que insistimos na amnésia seletivo-voluntária daquilo que já foi dito.

E o que é que o Espírito já disse às Igrejas? “Ide, portanto!”, “Ame os inimigos”, “Tomem a cruz”, “Perdoem-se”. Eu sou a Igreja; e na ânsia por soluções prontas e imediatas, voluntária e seletivamente, relego ao pretérito petrificado aquilo que já foi dito e corro atrás do que se diz no hoje; muitas vezes, em função de que o outrora dito apresenta-se como laborioso e desconfortável. Ir, amar, suportar, perdoar; dá, de fato, muito trabalho. Prefiro, assim, a “revelação” da hora, a solução do agora; aquilo que o espírito diz e que, sem muito esforço, me garante a solução.

Quero ouvir o que o Espírito diz hoje! Sim, quero! Só não posso descartar ao esquecimento (por conveniência ou comodidade) tudo aquilo que também já me foi ordenado. Estar atento ao vento misterioso do Espírito em nossos dias, no nosso hoje, é necessariamente dependente da atenção responsável e comprometida aos imperativos que já foram pronunciados e, por terem sido pronunciados pelo Espírito, foram eternizados em nossas realidades. Quem tem ouvidos, ouça.