SONHOS MÍOPES
Vivemos tentando convencer a nós mesmos de que nossas prioridades são absolutamente prioritárias. De que nossos planos já estão espiritualmente confirmados e demandam ações práticas e imediatas. Nossa visão está tão clareada pela luz da verdade sobre a direção a seguir que qualquer outra proposta é despercebida e, quando muito, rejeitada. Somos viciados em sonhar sonhos como se estes encerrassem todo o conteúdo das atividades que valem a pena ser vividas rumo à satisfação. E achamos tudo isso muito normal. Condicionamos nossa visão (iluminada) a esses sonhos. Construímos castelos e passamos a viver com a firme disposição de mantê-los, acreditando que lá dentro mora tudo aquilo que é capaz de nos fazer felizes, a saber, nossas realizações últimas, especialmente as de cunho profissional, familiar e espiritual. Afinal de contas, são essas as nossas prioridades.
Permitam-me partir para a primeira pessoa. Lembrando do mito platônico quando reconheço que a "luz" que sempre clareou minha visão, brilha, na verdade, os feixes da minha própria conveniência e de minhas mais desejadas aspirações. Vejo-me, assim, impelido a deixar essa caverna existencial que reflete por todos os lados a minha imagem e as muitas imagens da minha vontade. Preciso deixá-la, porque chego à triste, porém necessária, conclusão de que não há satisfação plena na contemplação e execução de meus próprios sonhos, nem no direcionamento de minha própria visão. Concluo ainda que minhas prioridades sempre poderão esperar e que meus planos foram arquitetados sobre o solo arenoso e movediço de minha vontade auto-centrada. Por tanto fitar essa "luz de verdades próprias", desenvolvi pupilas retraídas de tal forma que quase não percebo mais os movimentos divinos que refletem os feixes de uma Vontade superior, melhor, constante, realizadora.
Voltemos à reflexão juntos. Por que simplesmente não conseguimos, pelo menos com clareza e rapidez, perceber as manifestações dessa Vontade e as orientações que indicam o rumo certo? É porque nem sempre queremos sair do espaço onde nossa imagem é refletida e, com ela, as manifestações prazerosas de nossa vontade. Quem vai rejeitar um lugar como esse? Você o chamaria de sua "zona de conforto". Seja como for, abandonar esse reduto, seria atrair para si confusão semelhante a do homem que, saindo de sua caverna e abandonando as imagens que lá estavam, aventurou-se à luz do Sol ofuscante e, até que sua vista se adaptasse à nova luz, real, soberana e realizadora; experimentou cegueira, desorientação, desânimo, fracasso, inércia; ficou ausente de significado, com desejo de voltar, de fugir, de se esconder. Torno a perguntar: quem quer sair do aconchego e da segurança de suas próprias vontades, planos e prioridades?
Mas para buscar significado e satisfação, realização e plenitude (lembre-se que essas categorias são existentes somente na condição submissa do ser a essa Vontade), faz-se necessário o sofrimento da partida que deixa o lugar confortável da auto-suficiência para atender ao convite "desconfortável" da caminhada de fé. O alvo é o conhecimento dessa Vontade que se diz ser boa, perfeita e agradável. Quer dizer: é boa, portanto, condizente com anseios presentes, talvez ainda desconhecidos; perfeita, portanto, suficiente para o momento e suas demandas; e agradável, portanto, aprazível à vontade enquanto vive e se consuma.
Reconheçamos: somos péssimos (...) inacabado!
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home