COISAS NOVAS PARA UMA NOVA VIDA
Ela se acocorou em frente ao meu carro, ao meio dia, em pleno asfalto. Convidou, apressadamente, outra coleguinha para que sobre suas costas encurvadas (que agora serviam como base de escalada, pódio de demonstração) manejasse de forma circense uma daquelas varetas que têm pequenas vassouras nas extremidades e rodopiam incansavelmente entre outras duas mais firmes sob o comando de suas mãos pequenas. Estavam ali duas jovens (muito jovens, por sinal), duas artistas. A sola grossa dos pés da que estava embaixo parecia protegê-la da irradiação de grande calor do piche. Entretanto, seus olhos entreabertos, suas sobrancelhas franzidas e seus dentes cerrados denunciavam não só a dor e o desconforto real, como também a ansiedade infantil de que aquilo chegasse logo ao fim no abrir do próximo semáforo e, de preferência, com algumas poucas moedas tilintando em seus bolsos molambentos.
Estava diante daquele espetáculo circense no meio da rua; ou seria melhor defini-lo como "Momento de agressão última ao direito da criança e do adolescente"? Ou ainda, "Momento do oportunismo de pais exploradores que usam a jovialidade dos filhos para buscarem algo que lhes sustentem o vício da cachaça, da droga ou da preguiça mesmo"? Sejam quais forem as suposições, certamente não serei exagerado ao afirmar que se tratou de um "Momento de encontro de águas: das lágrimas de Deus com as gotas do suor das artistas; desse encontro formou-se uma grande gota, mas que logo evaporou ao cair no asfalto do meio-dia".
Minha filha, de pele suave e unhas macias, estava no banco de trás. Ela tem hoje sete anos de idade, o que a faz um pouco mais velha que as duas artistas. Precisou fazer, recentemente, uma pesquisa para a escola sobre "Trabalho Infantil". Respondendo a um de seus muitos e bem colocados questionamentos, afirmei que criança tem que respeitar as outras pessoas (acima de tudo), brincar (bastante) e estudar (o suficiente). Trabalho não é para criança, definitivamente!
Minhas lágrimas, dentro do carro, não evaporaram, mas foram, ao contrário, resfriadas por duas ventanias de insensibilidade: o vento da auto-satisfação que me faz buscar incansavelmente o prazer do meu corpo (por isso aumentei o ar-condicionado); e o vento do ativismo, que me permitiu arrancar o carro ao abrir do sinal e me desobrigou do ato misericórdia que Deus esperava de mim. Perdão, Senhor, pequei; morri. Morri para a oportunidade de poder ter mudado o dia, pelo menos o dia, daquelas duas crianças.
Paradoxalmente, continuo seguindo o sonho de ter muitas dessas crianças (quiçá todas) aqui na igreja para um projeto que transforme suas realidades. Que converta a rugosidade e a aspereza de seus pés e corações na maciez do algodão de uma roupa nova, de um tênis novo, de um abraço novo, de um novo amor, enfim, de uma nova vida. "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." (2 Co. 5:17)
Peço a Deus somente capacidade para vencer a compulsão pela auto-satisfação que me faz não só evadir diante da responsabilidade do presente, como também, e com muito mais sutileza, desejar aquilo que, no final, me trará um enorme e prazeroso sentimento de missão cumprida, coroando-me com a falsa impressão de que "eu mereço". Ao invés, busco sinceridade motivacional, autoridade espiritual, intimidade relacional e, por fim, santidade vocacional. Que Deus me ajude.
Se você quiser vir junto... Que Deus nos ajude. Um grande abraço,
Mario S. Levy
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