31 dezembro 2006

O TEMPO

Quem teve a idéia
De cortar o tempo em fatias,
A que se deu o nome de ano,
Foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
Fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
Se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
E tudo começa outra vez,
Com outro número
E outra vontade de acreditar
Que daqui para adiante
Tudo vai ser diferente.

Carlos Drummond de Andrade

20 dezembro 2006

NATAL: o nascimento de um propósito

28 Depois, vendo Jesus que tudo já estava consumado, para se cumprir a Escritura, disse: Tenho sede! (...) 30 Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito. (João, 19:28 e 29)

Este capítulo 19 do Evangelho de João narra os últimos momentos do Jesus-Homem entre nós. Em meio a açoites, injustiças e escárnios, Jesus profere poucas palavras, simples na forma, profundas em sentido: “Está consumado!”.

Mas estamos em tempo de Natal, não de Semana Santa ou Páscoa! No Natal celebramos o nascimento de Cristo; a vinda, o princípio, o começo. Por que então enfatizar as últimas palavras de Jesus, ou seja, o final, o término, o fechamento, a morte?

Talvez porque a reflexão natalina em torno do nascimento do Deus-menino não esteja surtindo muito efeito nas reflexões e práticas cotidianas de grande parte da população. O que temos visto por entre as luzes do natal são tantas pessoas tentando preencher suas vidas com bondade, obras e campanhas caridosas. Todo um cenário de boas ações é construído nessa época e muitos, ávidos por fazer um bem que durante todo o ano não tiveram tempo, correm às ruas, orfanatos, creches e asilos. Pergunto-me sobre quem está sendo beneficiado? A criança recém acordada na madrugada fria de uma calçada qualquer, recebendo o brinquedo de segunda mão; ou o doador que retornou para sua casa aconchegante após o ato de extrema bondade pensando: “Como é bom fazer isso”? Bem, pelo menos alguém está se sentindo bem. E, por favor, não me entendam mal; continuem dando brinquedos... nada paga o sorriso dessa criança.

Mas, nas últimas palavras do Mestre, o “Está Consumado” nos leva à reflexão de Jesus enquanto homem – bem humano mesmo, inclusive com sede! – dizendo que o projeto de sua vida havia sido realizado por completo. O propósito para o qual nascera, havia sido finalizado em sua inteireza. Quando o texto bíblico diz: “vendo Jesus que tudo já estava consumado”, ele nos constrange a “ver” nossa própria vida e considerar sobre o que está sendo ou não consumado. Existe algo em consumação na minha caminhada? Na verdade, penso que o inconveniente da morte não é a dor, a saudade nem o término em si, mas a pavorosa possibilidade de subir à cruz (ou descer à cova) sem a certeza de que algo foi consumado em nossa rápida passagem por esse mundo. É o medo de morrer sem saber pelo que vivemos.

Natal é época de reflexão; mas não a reflexão menor de um pseudo-amor ao pseudo-próximo que resulta em alguns espasmos de caridade com data marcada para terminar, mas reflexão profunda sobre o propósito da vida; da minha vida. Reflexão sincera sobre o papel histórico a ser desempenhado por mim e por você, sobre a marca que deixaremos nas pessoas que conosco conviveram.

Jesus, repito, em toda a sua humanidade (pois não me venha dizer que Ele foi ético e orientado assim só porque era Deus), percebeu nos arredores de sua morte que fez o que era para ter sido feito. E nós, temos feito aquilo para o qual nascemos? Nesse Natal, gostaria de convida-lo(a) a se deslumbrar menos com o bebê impotente da manjedoura e se deixar cativar mais pela missão inigualável que esse bebê, crescido, morto e ressurreto, Rei dos Reis, tem para cada um de nós. Assim, poderemos chegar ao final de nossas vidas e afirmar: “Está consumado”!

Que nesse natal, Deus faça nascer um propósito novo em sua vida.

Mario S. Levy

08 dezembro 2006

QUEM, DE ONDE, PRA ONDE, POR QUE, PRA QUE?

O mundo se faz constantemente essas perguntas. A curiosidade não é só epistemológica, ou seja, não se quer só conceituar; mas é existencial, precisa-se dela para viver. Há uma sede no ser que água nenhuma sacia.

Uma leitura sincera e cuidadosa da Bíblia me faz ter pelo menos quatro convicções a respeito da minha condição existencial. Convicções que abrangem questões essenciais: identidade, origem, destino e propósito.

O drama existencial de muitas pessoas é prioritariamente uma questão de identidade. Quem sou eu? Bem, à luz da Bíblia, entendo que sou único em minhas peculiaridades, criado à semelhança do Deus Perfeito, o que me instiga a almejar essa perfeição (pois busco avidamente modelos a seguir). Também faço parte de um povo de propriedade exclusiva do Deus Criador. Socialmente, quando sei quem sou, deixo de tentar ser quem os outros querem que eu seja; passo a servi-los sem expectativas de retorno ou de aceitação.

Pessoas se inquietam imensamente com a dúvida sobre sua origem. Essa angústia é legítima do ponto de vista existencial (não do ponto de vista científico). Se sou fruto do acaso e concebido por pura obra da natureza reprodutora do homem, ou ainda, se tudo veio (inclusive eu) do nada e a partir de processos macro-evolutivos são o que são hoje, então careço de significado para viver e com essa mesma carência retorno ao pó. Quando, porém, tenho compreensão espiritual de onde vim, da minha origem - mãos criadoras de um Deus que conhece cada detalhe da minha constituição por que me criou (e isso é um mistério) - deixo de tentar me defender, de salvaguardar minha reputação, pois como disse o profeta Isaías: “... perto está o que me justifica” e passo a descansar na realidade do retorno ao pó, não como o fim, mas como continuação da eternidade.

Essa noção de eternidade aqui e agora, mas que será consumada ali e além, me esclarece a terceira convicção: a questão do destino, o “Pra onde vou?”. Jesus disse “na casa de meu Pai há muitas moradas (...) vou preparar-vos lugar.” (Jo. 14:2) Por isso canto: “Eu sei pra onde vou...”. Com essa convicção, deixo de me preocupar com a transitoriedade das coisas desse mundo e passo a viver menos apegado, mais livre para ser e servir e muito, mas muito mais feliz.
Por fim, quando descubro “por que ou pra que estou aqui”, passo a vivenciar o projeto de vida mais emocionante de todos os tempos: ser instrumento de salvação (física, psíquica e espiritual) na vida de tantas outras pessoas. Esse é o meu propósito de vida.

Sei quem sou diante de Deus, não sou fruto do acaso. Sei de onde vim e pra onde estou indo. Tenho um propósito de vida que é claro, apresar de sublime em sua essência; plausível, apesar de requerer fé para vive-lo; e exclusivo, apesar de ser vivenciado na experiência do coletivo, onde outras pessoas são transformadas e, constantemente, me transformam.

Creio que por isso Jesus citou o Deuteronômio para Satanás no deserto: “Não só de pão viverá o homem, mas de toda Palavra que procede da boca de Deus” (Mt. 4:4) O pão sacia o físico, por isso Jesus teve fome. Mas a palavra do Senhor vivifica a alma e o Espírito, sacia a sede existencial. É disso que precisamos, é disso que o mundo em constante conflito existencial precisa.

“Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna.” (Jo. 4:14)

Mario S. Levy