30 outubro 2009

QUANTO MAIS SE SEPARA, MENOS SE REALIZA

Imagine a cena: um pátio de uma montadora de automóveis cheio de peças espalhadas pelo chão. Um montador, de maneira organizada e com pinta de quem sabe o que está fazendo, separa todas as peças componentes de um único automóvel e as organiza juntas em cantos do salão. Primeiro as de aço, em seguida, as de plástico, que vão para outro canto; todas as demais (vidros, borrachas, flúidos e etc), são dispostas no centro. Ao final de tudo separado, o montador convida um leigo em mecânica de automóveis para contemplar aquele amontoado de peças. Chega ao lado do convidado e suspira orgulhoso: "Este é um lindo carro!"

O método analítico diz que para se conhecer algo precisamos separá-lo em partes menores a fim de analisá-las. Depois – necessariamente – se junta tudo de volta para que se tenha, sobre o objeto estudado, uma nova compreensão. Para se resolver o problema no motor do carro que não funciona mais, por exemplo, tira-se o motor fora (primeira separação), desmonta-o em partes menores (mais separação), até que se perceba uma pequena e discreta peça escondida por trás do segundo pistão que não está funcionando propriamente. Descoberto o problema, faz-se o caminho de volta; substitui-se a peça por outra nova, monta-se novamente o motor e o põe dentro do carro. Pronto, agora é só virar a chave!

O problema das sucessivas separações é quando elas estacionam e não consideram a necessidade de "juntar de volta". Explico: para se (tentar) entender melhor o homem, os gregos dividiram este homem em corpo, alma e espírito (a carne, as emoções e o anelo pelo transcendente). Existem muitas variações desses termos e muitas subdivisões dos mesmos, é verdade. Mas nós, para tentar entender o homem hoje, estamos tão estacionados na divisão que os gregos propuseram que perdemos de, juntando tudo de volta, entendê-lo melhor.

O livro do Gênesis nos relata que Deus, na criação, soprou sobre o homem o seu hálito (no hebraico ruah, Espírito) e este passou a ser "alma vivente" (no hebraico nepesh, homem total, integral). Quando estacionamos na idéia grega tri-partida do homem como corpo, alma e espírito, e não fazemos o caminho de volta, compondo com essas partes uma "alma vivente", corremos o risco de compartimentalizar a vida. Teremos assuntos e atividades que são relativos só ao corpo ou só às emoções ou só ao espírito. Ir à igreja pertence ao compartimento do espírito, fazer churrasco com os amigos não, é pura carne (literalmente!); levantar as mãos durante o louvor é do espírito, mas chorar ao final de um filme dramático não; orar é espiritual, contar histórias para os filhos não. Tornamos-nos pessoas setorizadas!

Jesus Cristo disse através de seu servo Paulo, o apóstolo, que "quer eu coma, beba ou faça qualquer outra coisa, devo fazer tudo para a glória de Deus". Aqui o Mestre me ensina a "fazer o caminho de volta". Atividades "do corpo", "da carne" ou "das emoções" não podem ser dissociadas das "espirituais". Na verdade, tudo é espiritual; afinal de contas sou alma vivente, sou um todo que lida tanto com necessidades físicas como emocionais. Sou alma vivente. Tomar uma taça de um bom vinho com minha mulher ouvindo Tom e Vinícius (puxa, pastor, que coisas mais carnais!) deve ser um ato tão espiritual quanto ouvir e cantar louvores na igreja e, no primeiro domingo do mês, tomar o vinho da Ceia. Se eu não souber glorificar a Deus lá, com a minha mulher, o vinho e a bossa-nova; não poderei glorificá-lo aqui. Recuso-me a viver em setores porque sou UM e não três.

As peças do carro, por si só, não se locomovem; daí, não realizam o propósito final para o qual foram criadas: a locomoção. Juntas e compondo um todo, entretanto, formam o carro que se realiza no ir e vir, pois para isso o carro foi feito, para idas e vindas. Quanto mais se separa, menos se entende; quanto mais se separa, menos se realiza.

19 outubro 2009

A FERA NA SELVA

Puxa, que leitura! Curta e densa. O interesse surgiu quando o Brabo postou um curioso texto sobre a obra. Da curiosidade, iniciei uma implacável busca ao livro que simplesmente não existe na maioria das livrarias e cebos do país; exceto em inglês, é claro.

Consegui encomendar e aguardar vir um exemplar único da Bahia. Valeu a pena. Hoje, após concluí-lo, ainda me encontro pasmo, com cara de bobo; lendo e relendo algumas passagens que me desafiaram o entendimento.

O autor escreve como quem se descreve. De fato, toda obra-prima tem um “quê” autobiográfico. O meu interesse surgiu, igualmente, – e apenas talvez - pela semelhança de sentimentos; a sua espera é, definitivamente, o que busco.

O clímax, apesar de trágico – não menos trágico do que a própria narrativa já se faz presumir do início – é como uma boa música que se finda: a melodia continua ecoando na cabeça enquanto fragmentos da letra saltam aqui e acolá para dar sentido ao que enquanto se ouvia não se percebia. Duas ou três páginas que ligam, dão sentido à narrativa – bem mais sentido , por sinal, do que à vida do protagonista.

O desfecho me desafia e motiva. O hoje é agora! O que o amanhã trouxer… Bem, será amanhã!

Mesa Redonda RENAS - Ronald Sinder e Maurício Cunha