29 junho 2007

BEM-AVENTURADOS OS PERSEGUIDOS

“Daniel se distinguiu destes (...) porque nele havia um espírito excelente. (...) procuravam ocasião para acusá-lo, e não puderam achar, nem culpa alguma; porque ele era fiel”. – Livro do profeta Daniel, cap.6, vv. 2-3.

Ao ler estas linhas a respeito de Daniel, homem fiel e abençoado pelo Senhor, lembro-me de seus outros três amigos, Sadraque, Mesaque e Abdenego. Também de José do Egito, cuja integridade era reconhecida por onde quer que ele passasse; diante de seu pai, na casa de Potifar, na masmorra real, no palácio Faraônico e por todo o Egito.

Esses homens foram prósperos – não no sentido de prosperidade que tanto se enfatiza hoje, mas a luz do que disse o Rei Salomão: “A bênção do SENHOR enriquece, e, com ela, ele não traz desgosto.” (Pv. 10:22) – porque a bênção do Deus altíssimo estava sobre eles. A ênfase não está na causalidade do “abençoado” que fica rico, mas, sim, que essa riqueza (da bênção de Deus) não traz infelicidade e desgosto. Você é próspero diante de Deus?

O homem próspero (aquele que vive na bênção diariamente) será, de alguma forma, perseguido. Sua fidelidade a Deus se impõe sempre na contramão do mundo. Repare nos líderes babilônicos conspirando contra o jovem Daniel: “Nunca acharemos ocasião alguma para acusar a este Daniel, se não a procurarmos contra ele na lei do seu Deus” (6:5). Era exatamente na priorização que Daniel dava ao Senhor que os Sátrapas e os Governadores (que andavam na contramão dessas práticas) procuravam incriminá-lo.

Jesus nos disse que isso aconteceria: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” (Mt. 10:34). – Como assim? Alguém perguntaria. Imagine-se como um executivo em uma empresa muito lucrativa. Em uma reunião com a diretoria você se coloca: “Eu gostaria de reduzir nossa margem de lucro nos próximos dez anos a fim de redirecionar nossa produção em função de materiais recicláveis, podendo, assim, minimizar os estragos que temos feito ao meio ambiente. Creio que devemos agir como melhores mordomos da Criação de Deus.” Sua integridade trará divisão, “espada”. Existe uma grande chance de você ser demitido.

Jesus disse: “Bem-aventurados serão quando, por minha causa, lhes injuriarem, e lhes perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vocês. Alegrem-se e exultem, porque é grande a recompensa de vocês nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vocês.” (Mt. 5:11-12).

Daniel, José e muitos outros homens e mulheres como eu e você pagaram o preço da integridade e da fidelidade a Deus; enfrentaram a “espada” por andar na contramão do mundo. Prosperidade para eles não era um objetivo almejado pelo consumismo narcisista de seu tempo, não! Era-lhes simplesmente um estilo de vida, conseqüente da priorização do Reino de Deus. (Mt. 6:33). Bem... Isso lhes trouxe, sim, muita perseguição. Aleluia!

Por tanto, se não há perseguição à sua vida, preocupe-se...

15 junho 2007

desconserto

Valeu Cauex!


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14 junho 2007

COISAS NOVAS PARA UMA NOVA VIDA

Pés descalços e sujos. As unhas e a sola grossa nem de longe revelavam a pouca idade da menina que, em tempos passados (talvez já até esquecidos), deve ter apresentado pele fina e unhas delicadas.

Ela se acocorou em frente ao meu carro, ao meio dia, em pleno asfalto. Convidou, apressadamente, outra coleguinha para que sobre suas costas encurvadas (que agora serviam como base de escalada, pódio de demonstração) manejasse de forma circense uma daquelas varetas que têm pequenas vassouras nas extremidades e rodopiam incansavelmente entre outras duas mais firmes sob o comando de suas mãos pequenas. Estavam ali duas jovens (muito jovens, por sinal), duas artistas. A sola grossa dos pés da que estava embaixo parecia protegê-la da irradiação de grande calor do piche. Entretanto, seus olhos entreabertos, suas sobrancelhas franzidas e seus dentes cerrados denunciavam não só a dor e o desconforto real, como também a ansiedade infantil de que aquilo chegasse logo ao fim no abrir do próximo semáforo e, de preferência, com algumas poucas moedas tilintando em seus bolsos molambentos.


Estava diante daquele espetáculo circense no meio da rua; ou seria melhor defini-lo como "Momento de agressão última ao direito da criança e do adolescente"? Ou ainda, "Momento do oportunismo de pais exploradores que usam a jovialidade dos filhos para buscarem algo que lhes sustentem o vício da cachaça, da droga ou da preguiça mesmo"? Sejam quais forem as suposições, certamente não serei exagerado ao afirmar que se tratou de um "Momento de encontro de águas: das lágrimas de Deus com as gotas do suor das artistas; desse encontro formou-se uma grande gota, mas que logo evaporou ao cair no asfalto do meio-dia".


Minha filha, de pele suave e unhas macias, estava no banco de trás. Ela tem hoje sete anos de idade, o que a faz um pouco mais velha que as duas artistas. Precisou fazer, recentemente, uma pesquisa para a escola sobre "Trabalho Infantil". Respondendo a um de seus muitos e bem colocados questionamentos, afirmei que criança tem que respeitar as outras pessoas (acima de tudo), brincar (bastante) e estudar (o suficiente). Trabalho não é para criança, definitivamente!


Minhas lágrimas, dentro do carro, não evaporaram, mas foram, ao contrário, resfriadas por duas ventanias de insensibilidade: o vento da auto-satisfação que me faz buscar incansavelmente o prazer do meu corpo (por isso aumentei o ar-condicionado); e o vento do ativismo, que me permitiu arrancar o carro ao abrir do sinal e me desobrigou do ato misericórdia que Deus esperava de mim. Perdão, Senhor, pequei; morri. Morri para a oportunidade de poder ter mudado o dia, pelo menos o dia, daquelas duas crianças.


Paradoxalmente, continuo seguindo o sonho de ter muitas dessas crianças (quiçá todas) aqui na igreja para um projeto que transforme suas realidades. Que converta a rugosidade e a aspereza de seus pés e corações na maciez do algodão de uma roupa nova, de um tênis novo, de um abraço novo, de um novo amor, enfim, de uma nova vida. "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." (2 Co. 5:17)


Peço a Deus somente capacidade para vencer a compulsão pela auto-satisfação que me faz não só evadir diante da responsabilidade do presente, como também, e com muito mais sutileza, desejar aquilo que, no final, me trará um enorme e prazeroso sentimento de missão cumprida, coroando-me com a falsa impressão de que "eu mereço". Ao invés, busco sinceridade motivacional, autoridade espiritual, intimidade relacional e, por fim, santidade vocacional. Que Deus me ajude.


Se você quiser vir junto... Que Deus nos ajude. Um grande abraço,


Mario S. Levy

13 junho 2007

Sermão do Mandato

Padre António Vieira

Trecho do Sermão do Mandato pregado na Capela Real em Lisboa, 1645.

Sciens quia a Deo exivit, et ad Deum vadit: Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos: "Sabendo Jesus que saíra de Deus e ia para Deus, como tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13, 1. 3)."

Primeiramente só Cristo amou, porque amou sabendo: Sciens. Para inteligência desta amorosa verdade, havemos de supor outra não menos certa, e é que, no Mundo e entre os homens, isto que vulgarmente se chama amor, não é amor, é ignorância. Pintaram os Antigos ao amor menino; e a razão, dizia eu o ano passado, que era porque nenhum amor dura tanto que chegue a ser velho. Mas esta interpretação tem contra si o exemplo de Jacob com Raquel, o de Jónatas com David, e outros grandes, ainda que poucos. Pois se há também amor que dure muitos anos, porque no-lo pintam os sábios sempre menino? Desta vez cuido que hei-de acertar a causa. Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar, são duas cousas que não se juntam. A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afectos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração. que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto que vulgarmente se chama amor. tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente; quem, ignorando, amou, em rigor não é amante.

10 junho 2007

SONHOS MÍOPES

Vivemos tentando convencer a nós mesmos de que nossas prioridades são absolutamente prioritárias. De que nossos planos já estão espiritualmente confirmados e demandam ações práticas e imediatas. Nossa visão está tão clareada pela luz da verdade sobre a direção a seguir que qualquer outra proposta é despercebida e, quando muito, rejeitada. Somos viciados em sonhar sonhos como se estes encerrassem todo o conteúdo das atividades que valem a pena ser vividas rumo à satisfação. E achamos tudo isso muito normal. Condicionamos nossa visão (iluminada) a esses sonhos. Construímos castelos e passamos a viver com a firme disposição de mantê-los, acreditando que lá dentro mora tudo aquilo que é capaz de nos fazer felizes, a saber, nossas realizações últimas, especialmente as de cunho profissional, familiar e espiritual. Afinal de contas, são essas as nossas prioridades.

Permitam-me partir para a primeira pessoa. Lembrando do mito platônico quando reconheço que a "luz" que sempre clareou minha visão, brilha, na verdade, os feixes da minha própria conveniência e de minhas mais desejadas aspirações. Vejo-me, assim, impelido a deixar essa caverna existencial que reflete por todos os lados a minha imagem e as muitas imagens da minha vontade. Preciso deixá-la, porque chego à triste, porém necessária, conclusão de que não há satisfação plena na contemplação e execução de meus próprios sonhos, nem no direcionamento de minha própria visão. Concluo ainda que minhas prioridades sempre poderão esperar e que meus planos foram arquitetados sobre o solo arenoso e movediço de minha vontade auto-centrada. Por tanto fitar essa "luz de verdades próprias", desenvolvi pupilas retraídas de tal forma que quase não percebo mais os movimentos divinos que refletem os feixes de uma Vontade superior, melhor, constante, realizadora.

Voltemos à reflexão juntos. Por que simplesmente não conseguimos, pelo menos com clareza e rapidez, perceber as manifestações dessa Vontade e as orientações que indicam o rumo certo? É porque nem sempre queremos sair do espaço onde nossa imagem é refletida e, com ela, as manifestações prazerosas de nossa vontade. Quem vai rejeitar um lugar como esse? Você o chamaria de sua "zona de conforto". Seja como for, abandonar esse reduto, seria atrair para si confusão semelhante a do homem que, saindo de sua caverna e abandonando as imagens que lá estavam, aventurou-se à luz do Sol ofuscante e, até que sua vista se adaptasse à nova luz, real, soberana e realizadora; experimentou cegueira, desorientação, desânimo, fracasso, inércia; ficou ausente de significado, com desejo de voltar, de fugir, de se esconder. Torno a perguntar: quem quer sair do aconchego e da segurança de suas próprias vontades, planos e prioridades?

Mas para buscar significado e satisfação, realização e plenitude (lembre-se que essas categorias são existentes somente na condição submissa do ser a essa Vontade), faz-se necessário o sofrimento da partida que deixa o lugar confortável da auto-suficiência para atender ao convite "desconfortável" da caminhada de fé. O alvo é o conhecimento dessa Vontade que se diz ser boa, perfeita e agradável. Quer dizer: é boa, portanto, condizente com anseios presentes, talvez ainda desconhecidos; perfeita, portanto, suficiente para o momento e suas demandas; e agradável, portanto, aprazível à vontade enquanto vive e se consuma.

Reconheçamos: somos péssimos (...) inacabado!